XXV
O amor
O amor, como comumente se entende na Terra, é um sentimento, um impulso do ser, que o leva para outro ser com o desejo de unir-se a ele. Mas, na realidade, o amor reveste formas infinitas, desde as mais vulgares até as mais sublimes. Princípio da vida universal, proporciona à alma, em suas manifestações mais elevadas e puras, a intensidade de radiação que aquece e vivifica tudo em volta de si; é por ele que ela se sente estreitamente ligada ao Poder Divino, foco ardente de toda a vida, de todo o amor.
Acima de tudo, Deus é amor. Por amor, criou os seres para associá-los às suas alegrias, à sua obra. O amor é um sacrifício; Deus hauriu nele a vida para dá-la às almas. Ao mesmo tempo que a efusão vital, elas receberiam o princípio afetivo destinado a germinar e expandir-se pela provação dos séculos, até que tenham aprendido a dar-se por sua vez, isto é, a dedicar-se, a sacrificar-se pelas outras. Com esse sacrifício, em vez de se amesquinharem, mais se engrandecem, enobrecem e aproximam do Foco Supremo.
O amor é uma força inexaurível, renova-se sem cessar e enriquece ao mesmo tempo aquele que dá e aquele que recebe. É pelo amor, sol das almas, que Deus mais eficazmente atua no mundo. Por ele atrai para si todos os pobres seres retardados nos antros da paixão, os Espíritos cativos na matéria; eleva-os e arrasta-os na espiral da ascensão infinita para os esplendores da luz e da liberdade.
O amor conjugal, o amor materno, o amor filial ou fraterno, o amor da pátria, da raça, da humanidade, são refrações, raios refratados do amor divino, que abrange, penetra todos os seres e, difundindo-se neles, faz rebentar e desabrochar mil formas variadas, mil esplêndidas florescências de amor.
Até às profundidades do abismo de vida, infiltram-se as radiações do amor divino e vão acender nos seres rudimentares, pela afeição à companheira e aos filhos, as primeiras claridades que, nesse meio de egoísmo feroz, serão como a aurora indecisa e a promessa de uma vida mais elevada.
É o apelo do ser ao ser, é o amor que provocará, no fundo das almas embrionárias, os primeiros rebentos do altruísmo, da piedade, da bondade. Mais acima, na escala evolutiva, entreverá o ser humano, nas primeiras felicidades, nas únicas sensações de ventura perfeita que lhe é dado gozar na Terra, sensações mais fortes e suaves que todas as alegrias físicas e conhecidas somente das almas que sabem verdadeiramente amar.
Assim, de grau em grau, sob a influência e irradiação do amor, a alma desenvolver-se-á e engrandecerá, verá alargar-se o círculo de suas sensações. Lentamente, o que nela não era senão paixão, desejo carnal, ir-se-á depurando, transformando num sentimento nobre e desinteressado; a afeição a um só ou a alguns converter-se-á na afeição a todos, à família, à pátria, à humanidade. E a alma adquirirá a plenitude de seu desenvolvimento quando for capaz de compreender a vida celeste, que é toda amor, e a participar dela.
O amor é mais forte do que o ódio, mais poderoso do que a morte. Se o Cristo foi o maior dos missionários e dos profetas, se tanto império teve sobre os homens, foi porque trazia em si um reflexo mais poderoso do Amor Divino. Jesus passou pouco tempo na Terra; foram bastantes três anos de evangelização para que o seu domínio se estendesse a todas as nações. Não foi pela Ciência nem pela arte oratória que ele seduziu e cativou as multidões; foi pelo amor! Desde sua morte, seu amor ficou no mundo como um foco sempre vivo, sempre ardente. Por isso, apesar dos erros e faltas de seus representantes, apesar de tanto sangue derramado por eles, de tantas fogueiras acesas, de tantos véus estendidos sobre seu ensino, o Cristianismo continuou a ser a maior das religiões; disciplinou, moldou a alma humana, amansou a índole feroz dos bárbaros, arrancou raças inteiras à sensualidade ou à bestialidade.
O Cristo não é o único exemplo a apresentar. Pode-se, de um modo geral, verificar que das almas eminentes se desprendem radiações, eflúvios regeneradores, que constituem uma como atmosfera de paz, uma espécie de proteção, de providência particular. Todos aqueles que vivem sob essa benéfica influência moral sentem uma calma, um sossego de espírito, uma espécie de serenidade que dá um antegozo das quietações celestes. Essa sensação é mais pronunciada ainda nas sessões espíritas dirigidas e inspiradas por almas superiores; nós mesmos o experimentamos muitas vezes em presença das entidades que presidem aos trabalhos do nosso grupo de Tours. (210)
Essas impressões vão-se encontrando cada vez mais vivas à medida que se afastam dos planos inferiores onde reinam as impulsões egoístas e fatais e se sobem os degraus da gloriosa hierarquia espiritual para aproximar-se do Foco Divino; pode-se assim verificar, por uma experiência que vem completar as nossas intuições, que cada alma é um sistema de força e um gerador de amor, cujo poder de ação aumenta com a elevação.
Por isto também se explicam e se afirmam a solidariedade e fraternidade universais. Um dia, quando a verdadeira noção do ser se desembaraçar das dúvidas e incertezas que obsidiam o pensamento humano, compreender-se-á a grande fraternidade que liga as almas. Sentir-se-á que são todas envolvidas pelo magnetismo divino, pelo grande sopro de amor que enche os Espaços.
À parte esse poderoso laço, as almas constituem também agrupamentos separados, famílias que se foram pouco a pouco formando através dos séculos, pela comunidade das alegrias e das dores. A verdadeira família é a do espaço; a da Terra não é mais do que uma imagem daquela, redução enfraquecida, como o são as coisas deste mundo comparadas com as do Céu. A verdadeira família compõe-se dos Espíritos que subiram juntos as ásperas sendas do destino e são feitas para se compreenderem e amarem.
Quem pode descrever os sentimentos ternos, íntimos, que unem esses seres, as alegrias inefáveis nascidas da fusão das inteligências e das consciências, a união das almas sob o sorriso de Deus?
Esses agrupamentos espirituais são os centros abençoados onde todas as paixões terrestres se apaziguam, onde os egoísmos se desvanecem, onde os corações se dilatam, onde vêm retemperar-se e consolar-se todos aqueles que têm sofrido, quando, livres pela morte, tornam a juntar-se com os bem-amados, reunidos para festejarem seu regresso.
Quem pode descrever os êxtases que proporciona às almas purificadas, que chegaram às cumeadas luminosas, a efusão nelas do amor divino e os noivados celestes pelos quais dois Espíritos se ligam para sempre no seio das famílias do espaço, reunidas para consagrarem com um rito solene essa união simbólica e indestrutível? Tal é o matrimônio verdadeiro, o das almas irmãs, que Deus reúne eternamente com um fio de ouro. Com essas festas do amor, os Espíritos que aprenderam a tornar-se livres e a usar de sua liberdade fundem-se num mesmo fluido, à vista comovida de seus irmãos. Daí em diante, seguirão uns aos outros em suas peregrinações através dos mundos; caminharão, de mãos dadas, sorrindo à desgraça e haurindo na ternura comum a força para suportar todos os reveses, todas as amarguras da sorte. Algumas vezes, separados pelos renascimentos, conservarão a intuição secreta de que seu insulamento é apenas passageiro; depois das provas da separação, entrevêem a embriaguez do regresso ao seio das imensidades.
Entre os que caminham neste mundo, solitários, entristecidos, curvados sob o fardo da vida, há os que conservam no fundo do coração a vaga lembrança da sua família espiritual. Estes sofrem cruelmente da nostalgia dos Espaços e do amor celeste, e nada entre as alegrias da Terra os pode distrair e consolar. Seu pensamento vai muitas vezes, durante a vigília, e, mais ainda, durante o sono, reunir-se aos seres queridos que os esperam na paz serena do Além. O sentimento profundo das compensações que os aguardam explica sua força moral na luta e sua aspiração para um mundo melhor. A esperança semeia de flores austeras os atalhos que eles percorrem.
*
Todo o poder da alma resume-se em três palavras: querer, saber, amar!
Querer, isto é, fazer convergir toda a atividade, toda a energia, para o alvo que se tem de atingir, desenvolver a vontade e aprender a dirigi-la.
Saber, porque sem o estudo profundo, sem o conhecimento das coisas e das leis, o pensamento e a vontade podem transviar-se no meio das forças que procuram conquistar e dos elementos a quem aspiram governar.
Acima de tudo, porém, é preciso amar, porque sem o amor, a vontade e a ciência seriam incompletas e muitas vezes estéreis. O amor ilumina-as, fecunda-as, centuplica-lhes os recursos. Não se trata aqui do amor que contempla sem agir, mas do que se aplica a espalhar o bem e a verdade pelo mundo. A vida terrestre é um conflito entre as forças do mal e as do bem. O dever de toda alma viril é tomar parte no combate, trazer-lhe todos os seus impulsos, todos os seus meios de ação, lutar pelos outros, por todos aqueles que se agitam ainda na via escura.
O uso mais nobre que se pode fazer das faculdades é trabalhar por engrandecer, desenvolver, no sentido do belo e do bem, a civilização, a sociedade humana, que tem as suas chagas e fealdades, sem dúvida, mas que é rica de esperanças e magníficas promessas; essas promessas transformar-se-ão em realidade vivaz no dia em que a humanidade tiver aprendido a comungar, pelo pensamento e pelo coração, com o foco de amor, que é o esplendor de Deus.
Amemos, pois, com todo o poder do nosso coração; amemos até ao sacrifício, como Joana d'Arc amou a França, como o Cristo amou a humanidade, e todos aqueles que nos rodeiam receberão nossa influência, sentir-se-ão nascer para nova vida.
Ó homem, procura em volta de ti as chagas a pensar, os males a curar, as aflições a consolar. Alarga as inteligências, guia os corações transviados, associa as forças e as almas, trabalha para ser edificada a alta cidade de paz e de harmonia que será a cidade de amor, a cidade de Deus! Ilumina, levanta, purifica! Que importa que se riam de ti! Que importa que a ingratidão e a maldade se levantem na tua frente! Aquele que ama não recua por tão pouca coisa; ainda que colha espinhos e silvas, continua sua obra, porque esse é seu dever, sabe que a abnegação o engrandece.
O próprio sacrifício também tem suas alegrias; feito com amor, transforma as lágrimas em sorrisos, faz nascer em nós alegrias desconhecidas do egoísta e do mau. Para aquele que sabe amar, as coisas mais vulgares são de interesse; tudo parece iluminar-se; mil sensações novas despertam nele.
São necessários à sabedoria e à Ciência longos esforços, lenta e penosa ascensão para conduzir-nos às altas regiões do pensamento. O amor e o sacrifício lá chegam de um só pulo, com um único bater de asas. Na sua impulsão conquistam a paciência, a coragem, a benevolência, todas as virtudes fortes e suaves. O amor depura a inteligência, engrandece o coração e é pela soma de amor acumulada em nós que podemos avaliar o caminho que temos percorrido até Deus.
*
A todas as interrogações do homem, a suas hesitações, a seus temores, a suas blasfêmias, uma voz grande, poderosa e misteriosa responde: Aprende a amar! O amor é o resumo de tudo, o fim de tudo. Dessa maneira, estende-se e desdobra-se sem cessar sobre o universo a imensa rede de amor tecida de luz e ouro. Amar é o segredo da felicidade. Com uma só palavra o amor resolve todos os problemas, dissipa todas as obscuridades. O amor salvará o mundo; seu calor fará derreter os gelos da dúvida, do egoísmo, do ódio; enternecerá os corações mais duros, mais refratários.
Mesmo em seus magníficos derivados, o amor é sempre um esforço para a beleza. Nem sequer o amor sexual, o do homem e da mulher, deixa, por mais material que pareça, de poder aureolar-se de ideal e poesia, de perder todo o caráter vulgar, se, de mistura com ele, houver um sentimento de estética e um pensamento superior. E isso depende principalmente da mulher. Aquela que ama, sente e vê coisas que o homem não pode conhecer, possui em seu coração inexauríveis reservas de amor, uma espécie de intuição que pode dar idéia do Amor Eterno.
A mulher é sempre, de qualquer modo, irmã do mistério e a parte de seu ser que toca o infinito parece ter mais extensão do que no homem. Quando este responde como a mulher aos apelos do invisível, quando seu amor é isento de todo desejo brutal, se convertem-se em um só pelo espírito e pelo corpo, então, no abraço desses dois seres que se penetram, se completam para transmitir a vida, passará como um relâmpago, como uma chama, o reflexo de mais altas felicidades entrevistas. São, todavia, passageiras e misturadas de amarguras as alegrias do amor terrestre; não andam desacompanhadas de decepções, retrocessos e quedas. Somente Deus é o amor na sua plenitude; é o braseiro ardente e ao mesmo tempo o abismo de pensamento e luz, donde dimanam e para quem ascendem eternamente os ardentes eflúvios de todos os astros, as ternuras apaixonadas de todos os corações de mulheres, de mães, de esposas, de afeições viris de todos os corações de homens. Deus gera e chama o amor, porque é a beleza infinita, perfeita, e é propriedade da beleza provocar o amor.
Quem, pois, num dia de verão, quando o Sol irradia, quando a imensa cúpula azulada se desenrola sobre nossas cabeças e dos prados e bosques, dos montes e do mar sobem a adoração, a prece muda dos seres e das coisas, quem, pois, deixará de sentir as radiações de amor que enchem o infinito?
É preciso nunca ter aberto a alma a essas influências sutis para ignorá-las ou negá-las. Muitas almas terrestres ficam, é verdade, hermeticamente fechadas para as coisas divinas, ou então, quando sentem suas harmonias e belezas, escondem cuidadosamente o segredo de si mesmas; parecem ter vergonha de confessar o que conhecem ou o que de maior e melhor experimentam.
Tentai a experiência! Abri o vosso ser interno, abri as janelas da prisão da alma aos eflúvios da vida universal e, de súbito, essa prisão encher-se-á de claridades, de melodias; um mundo todo de luz penetrará em vós. Vossa alma arrebatada conhecerá êxtases, felicidades que não se podem descrever; compreenderá que há em seu derredor um oceano de amor, de força e de vida divina no qual ela está imersa e que lhe basta querer para ser banhada por suas águas regeneradoras. Sentirá no universo um poder soberano e maravilhoso que nos ama, nos envolve, nos sustenta, que vela sobre nós como o avarento sobre a jóia preciosa, e, invocando-o, dirigindo-lhe um apelo ardente, será logo penetrada de sua presença e de seu amor. Essas coisas se sentem e exprimem dificilmente; só as podem compreender aqueles que as saborearam. Mas todos podem chegar a conhecê-las, a possuí-las, despertando o que há em si de divino. Não há homem, por mais perverso, por pior que seja, que numa hora de abandono e sofrimento não veja abrir-se uma fresta por onde um pouco da claridade das coisas superiores e um pouco de amor se filtrem até ele.
Basta ter experimentado uma vez só essas impressões para não as esquecer mais. E quando chega o declínio da vida com suas desilusões, quando as sombras crepusculares se acumulam sobre nós, então essas poderosas sensações acordam com a memória de todas as alegrias sentidas e a lembrança das horas em que verdadeiramente amamos cai como delicioso orvalho sobre nossas almas dissecadas pelo vento áspero das provações e da dor.